No dia 29 de dezembro de 1598, os soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, encalçavam índios potiguares quando, em meio à caatinga, nas fraldas da Serra da Copaoba (Planalto de Borborema), um imponente registro de ancestralidade pré-histórica se impôs à tropa. Às margens do leito seco do rio Araçoajipe, um enorme monólito revelava, aos estupefatos recrutas, estranhos desenhos esculpidos na rocha cristalina.
O painel rupestre se encontrava nas paredes internas de uma furna (formada pela sobreposição de três rochas), e exibia, em baixo-relevo, caracteres deixados por uma cultura há muito extinta. Os sinais agrupavam-se às representações de espirais, cruzes e círculos talhados, também, na plataforma inferior do abrigo rochoso.
Inquietado com a descoberta, Feliciano ordenou minuciosa medição, mandando copiar todos os caracteres. A ocorrência está descrita em Diálogos das Grandezas do Brasil, obra editada em 1618. O autor, Ambrósio Fernandes Brandão (para quem Feliciano Coelho confiou seu relato), interpretou os símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Não se enganara. O padre francês Teodoro de Lucé descobriu, em 1678, no território paraibano, um segundo monólito, ao se dirigir em missão jesuítica para o arraial de Carnoió. Seus relatos foram registrados em Relação de uma Missão do rio São Francisco, escrito pelo frei Martinho de Nantes, em 1706.
Em 1974, quase 400 anos depois da descoberta do capitão-mor da Paraíba, os tais "símbolos de coisas vindouras" regressariam. Dessa vez, no formato e silhueta arredondada de um disco de vinil.
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Em 1961, o professor de geografia Leon Clerot apresentou o monumento a Córdula. Uma década depois, 1972, Raul Córdula se tornou amigo de José Ramalho Neto, o jovem Zé Ramalho da Paraíba.
Os conterrâneos se conheceram na capital de João Pessoa, mais precisamente no bar Asa Branca, propriedade de Córdula. Lá, Zé ouve os primeiros relatos sobre a interessante sonoridade produzida em Recife.
Córdula convida Ramalho a conhecer algo impressionante, e organiza uma ída ao município de Ingá do Bacamarte, a 85 km de João Pessoa, caatinga litorânea, na zona de transição do Agreste para o Sertão. Para "fazer a viagem", Córdula também convidou o artista recifense Lula Côrtes - jovem homem que já vivêra muitas aventuras. Mas àquela, proposta por Raul, ainda não.
Nenhuma surpresa foi para o guia o fato de Côrtes e Ramalho ficarem tão maravilhados com a rocha lavrada quanto os expedicionários do capitão-mor da Paraíba.
Retornaram cada um aos seus afazeres.
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Côrtes e Zé retornariam a se encontrar quando da gravação da loucura Marconi Notaro No Sub Reino dos Metazoários.
O convívio os torna mais próximos e logo a Pedra do Ingá era a tônica corrente entre ambos. Não perderam tempo e investiram em sérias pesquisas. Eles caçavam a interpretação local, folclórica, mitológica sobre o admirável monólito, logo perceberam a fantástica mística que as inscrições da Pedra do Ingá exerciam sobre a população às cercanias do sítio arqueológico.
Nas adjacências vivia um grupo de índios cariris. Os músicos foram até eles, atrás da peculiaridade do seu tipo de música. Ouvindo, descobriram que os traços de uma cultura africana tinham se fundido à sonoridade dos indígenas.
Fundamentados em registros arqueológicos, Zé Ramalho e Lula Côrtes concordam que, a partir daquele ponto, haveria um caminho, que partia de São Tomé das Letras (onde existem registros da mesma escrita rupestre traçada na Pedra do Ingá) e conduzia até Machu Picchu, no Peru. A trilha que os Cariris chamavam de "Paêbirú".
A cada descoberta que faziam com suas explorações, Côrtes e Ramalho notavam, na variedade de lendas, que todas eram sobre Sumé - entidade mitológica que teria transmitido conhecimentos aos índios antes da chegada dos colonizadores.
E numa noite, em que a lua se revelava em todo seu explendor, acampados na caatinga sertaneja, frente a frente com a Pedra do Ingá, Ramalho e Côrtes se decidiram pela produção de um "álbum conceitual". Lógico que eles deviam estar completamente chapados de ácido e cogumelos.
Submersas na tepidez do plácido regato pré-histórico, imaginações vagam por mundos arcaicos desaparecidos na vastidão temporal, e testemunham a epopéia interplanetária de Sumé, viajante lunar que desceu num raio laser e, com a barba vermelha, desenhou no peito a Pedra do Ingá.
.Gravado num estúdio de dois canais, de outubro a dezembro de 1974, lançado em 1975, o álbum é dividido em quatro lados (originalmente o lp é duplo), de acordo com os elementos Terra, Ar, Fogo e Água.
Em "Terra", o resultado sonoro foi obtido com tambores, flautas em sol e dó, congas e sax alto, folhas de coqueiro, além de berimbau e do tricórdio. Foram simuladas com onomatopéias, aves do céu, pássaros em vôo, etc.
No lado "Ar", além de "conversas", "risadas" e "suspiros", selecionaram-se harpas e violas sopros para músicas como "Harpa dos Hares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm". Em "Água", as músicas têm fundo sonoro de água corrente. No mesmo lado, cantos africanos, louvações à Iemanjá e a outras entidades representativas do elemento. Na mais dançante, o baião lisérgico "Pedra Templo Animal", foi utilizado trompas marinhas e okulelê.
"Fogo", como adverte o nome, é a faceta incendiária de Paêbirú. A mais roqueira também. Entram sons trovejantes: o wha-wha distorcido do tricórdio e a psicopatia do órgão Farfisa em "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Raga dos Raios" conserva-se, mais de 30 anos depois, como a melhor peça de guitarra fuzz gravada no rock nacional, e quem capitaneava a Guitarreira elétrica & nervosa era Dom Tronxo.
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Em 'Trilha de Sumé', Alceu Valença toca pente com papel celofane, faz vocal para OMMMM (Alceu chegou ao estúdio e foi deitando num canto, a banda ensaiava, então, sonolento, ele espreguiçou: 'Ommmmmmmm..., todo mundo foi atrás e o resultado vocês poderão ouvir). Zé da Flauta, tocou sax na vigorosa "Nas Paredes da Pedra Encantada". O paraibano Hugo Leão (vinha das bandas The Gentlemen e os Quatro Loucos, nas quais Zé Ramalho tocava guitarra) era o tecladista. Para assumir a bateria, Ramalho recrutou Carmelo Guedes outro paraibano. Com eles estão Robertinho do Recife no violão, viola, guitarra e percussão, Geraldo Azevedo tocou violão. São mais de 20 pessoas tocando no disco - basicamente, toda a cena pernambucana e boa parte da paraibana.
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